segunda-feira, 25 de julho de 2016

Ética e Educação




Ética e Educação
Fotógrafo: Antonio Larghi

Paulo Afonso Ronca*



Se você entrar em uma livraria qualquer, verá sempre uma quantidade incrível de novos livros que analisam e descrevem a educação brasileira, apontando caminhos e sugestões ou a censurando.

No Brasil, o número de congressos sobre educação é altíssimo e, anualmente, a eles convergem centenas de milhares de pessoas ligadas à área. Ressalte-se que, aí, gastam-se verdadeiras fortunas e o lucro auferido é fabuloso.

O número de ONGs ligadas à educação ou projetos sociais de recuperação de escola brasileira é também muito grande.

Continuamente saem, em jornais e em revistas, artigos que recriminam a escola, oferecendo-lhe pareceres e assinalando métodos para a sua recuperação.

Um sem-número de vezes, em todos os locais acima mencionados, os professores são criticados.

Mas, afinal, como explicar esse súbito fenômeno de crítica voraz aos professores, parecido com uma caça às bruxas? Seriam eles realmente os responsáveis diretos por termos uma educação que não atinge metas internacionais ou nacionais de uma qualidade, digamos, mediana? Onde pegarmos o fio da meada desta tristeza e consternação que se abateram sobre o sistema educacional como um todo e sobre os professores em particular?

Em que pese o esforço de muitas e muitas pessoas ligadas à educação, não tenho o menor prurido em afirmar que vivemos o caos. O empenho está muito distante dos resultados. E caos não se resolve, mas se administra com projetos a médio e longo prazo, muito dinheiro bem aplicado, tenacidade dos gestores e conscientização social.

Sobre os professores não é nada fácil uma análise para que os possamos compreender. Há, pois, que se fazer uma observação intramuros da escola e uma apreciação sobre a responsabilidade que a sociedade como um todo deve absorver, digamos, fazer, aqui , um mea-culpa!

Se iniciarmos por esta última, veremos com nitidez como a sociedade contemporânea (leiam-se: meios de comunicação, Poderes da República, Igrejas, sindicatos, pais, famílias, etc. e tal) perdeu a fé na educação, não mais a vendo como uma das vias principais para um desenvolvimento social mais justo e equitativo.

E o que significa perdeu a fé na educação? Significa que, do ponto de vista da ética, houve terríveis inversões de valores. A sociedade e o Estado afastaram-se decisivamente de ações éticas, quando cessaram de dar atenção devida aos prédios públicos das escolas, ao sonegarem salários dignos aos professores ou ao priorizarem outras dimensões para o desenvolvimento nacional (há os que pensam que, em breve, o computador irá substituir o professor, em sala de aula...).

Vamos aos fatos, porquanto deles eu gosto, dado reafirmarem o que penso: não há mais dinheiro para a educação, é a tese preferida de muitos gestores públicos. Pois bem, para e educação não há, todavia, magicamente, ele aparece, às escâncaras, para se construir estádios de futebol. Há anos, o aeroporto Santos Dumont, no Rio, foi destruído por um incêndio e... em menos de 6 meses já estava reaberto e refeito com mármores e requintes.

Se pudermos considerar a ética também como um conjunto de ações que concretizam a moral e, se relacionarmos a educação com os exemplos do parágrafo sobredito, veremos, aí, ações nada éticas.

Não se trata mais de ver o Estado brasileiro desleixado, porém, o que é pior, trata-se de considerá-lo como não é ético no que diz respeito à educação. A dívida social que estamos amealhando com a educação (leia-se professores e escolas) está em vias de se tornar impagável. É fato!

Tornar-se um ser ético ou, mais abrangente, um Estado ético é agir com incondicional transparência de ideais e de ideias, saber investir com absoluta responsabilidade, estabelecer prioridades sempre em busca do bem-comum e, por fim, aprender a respeitar esse profissional chamado professor.

Ao entrarmos na escola brasileira, no intramuros, devemos parar um pouco em sua soleira, posto que, aí, já há um pequeno diagnóstico do que lá dentro acontece. Para apresentá-lo, levanto uma pergunta que, se não está explícita, pelo menos paira no inconsciente coletivo, e que muitos tremem ao ouvi-la: hoje em dia, quem quer ser professor?

Aqui, o X da questão!

Aquela sociedade contemporânea descrita acima e o Estado esqueceram-se do professor. Enquanto não entendermos que a ação ética mais urgente é a retomada da sua valorização e de sua auto-imagem; enquanto não pensarmos que a Universidade brasileira também não exercita ações éticas para bem formá-los; enquanto os pais não sentirem e não passarem aos filhos o respeito ético e incondicional a ele e, finalmente, enquanto este mesmo professor não souber ou não abrir caminhos coletivos para a sua valorização ética, ah! nada, nada acontecerá.

Por fim, ser um professor ético é reconhecer que não é um mero transmissor de conhecimentos para os vestibulares da vida, mas um formador da personalidade de seus alunos. É reconhecer que a sua função na sociedade é uma das mais respeitáveis e cabe a ele ser agente de transformações sociais e políticas. Ético, quando age em conjunto com os seus pares, fazendo parte de um corpo de profissionais que têm o destino de um país nas mãos. Ético, quando abre os olhos e a alma para compreender o mundo ao seu entorno e responsabilizar-se por mudá-lo, por transformá-lo. Ético, quando vive o inconformismo perante o fato de a sociedade e o Estado terem-no trancafiado em sala de aula, para ser um “simples” professor...



*Paulo Afonso Ronca é professor e consultor, doutor em Psicologia Educacional pela Unicamp.


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