Montes Azuis
O sertanejo que plantava algodão fez filhos, e sorria para a vida como quem acreditava no vento e no sol das montanhas azuis, e agora não se lembra de quem ainda é, nem do que fez. A ele com suas mãos trêmulas, o seu cabelo branco como chantili, queria pedir a benção. Mas não saberá quem sou. Resta aquele sorriso de índio caboclo. O mesmo sorriso que seja o meu, algumas gerações depois. A mesma pele curtida, e o olhar de curiosidade pelo mundo árduo.
Somos bons num mundo sórdido, como bois em curral que serão abatidos e terão as carnes expostas em açougues vagabundos. Quero gritar a minha revolta! Vomitar tudo na cara de todos, como as estrelas explodem formando galáxias violentas! Ele me entenderá: sempre soube a posição dos astros no céu e acordava antes do cantar dos galos no quintal. Aliás , no terreiro havia um pequeno cafezal, cujas frutas vermelhas eram pequeno cafezal, cujas frutas vermelhas eram maceradas com pilão pelas mulheres, que depois as torravam e coavam: o café fumegante vinha à mesa da manhã com pão-de-queijo ou beiju. Quando os últimos dardos luminosos do sol batiam nas escarpas azuladas das montanhas, e dizia-se que onças uivavam famintas pelas rochas, e cobras enroscavam-se nos umbuzais, os sinos da igrejinha repicavam, uma anã vestida de noiva surgia enigmaticamente no vitral de um casarão antigo. E os melões de São João brotavam doces e quase comestíveis nas sebes das estradas de terra e paralelepípedos.
Naquela pequena cidade vivia-se, os filhos nasciam, cresciam e sumiam mundo afora em busca de destino mais digno do que aquela inocente pobreza oferecia. Os velhos sentavam-se nas calçadas ouvindo futebol pelo rádio. Nas televisões em preto e branco, o beijo na boca na novela era o motivo de escândalo. O homem velho jamais compreenderá as reviravoltas da política e do próprio mundo. Não saberá que um negro conquistou a Casa Branca, nem que importância tem isso. Não entende mesmo nada da crise financeira, nem sobre as ações oscilantes da Bolsa de Valores. Ele já está reduzido ao seu quarto, aos seus remédios, à sua cama solitária onde descansa o corpo mirrado. Daqui a pouco será pó e retornará às estrelas, de onde veio com a missão de semear a terra de algodão, produzir filhos, sorrir ao vento, puxar o arado com o seu carro de boi, debulhar o milharal, olharas escarpas reluzentes dos montes azuis. Antes de sua carne desmanchar-se em luzes, preciso dizer que tampouco acredito neste mundo vil. Que as pessoas me machucaram, como também o feriram; sempre fiquei mais forte para a guerra, mesmo desejando a paz.
Ernani Moura Brito
advogado, escritor
São José do Rio Preto -SP. Brasil
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