segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Cotas em Universidade

Afro descendente é quem se declara sê-lo


COTA EM UNIVERSIDADE
Afrodescendente é quem se declara sê-lo, decide TRF-4
Por Jomar Martins

Se o edital do concurso vestibular diz que negro é quem declara sê-lo — adotando a autodeclaração como critério de identificação racial —, a comissão que avalia candidatos só pode negar a matrícula a afrodescendente com a devida fundamentação. Do contrário, dará margem à suspeita de discriminação.

O entendimento foi firmado pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao prover Apelação que garantiu a matrícula de uma vestibulanda na Universidade Federal de Santa Catarina, recusada por não ‘‘pertencer ao grupo racial negro’’.

O caso foi parar na corte porque o juízo local extinguiu o Mandado de Segurança interposto pela estudante contra ato do reitor, em face da falta de direito líquido e certo.

A relatora da Apelação, desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, afirmou no acórdão que não se discute a constitucionalidade do sistema de cotas para ingresso no ensino superior, mas apenas a regularidade do procedimento adotado pela Comissão de Validação de Autodeclaração dos Negros da UFSC, no caso concreto.

Conforme a relatora, a decisão administrativa que negou a matrícula carece de fundamentação e não se mostra razoável, pois não está baseada em critério objetivo. Citou um trecho da decisão do pedido de reconsideração: ‘‘ (...) a comissão não valida a autodeclaração, visto que não verificou, com base nos referidos documentos, o atendimento ao Edital/Coperve/2012, que trata do programa de ações afirmativas/UFSC’’.

‘‘Desse modo, não é lícito a uma comissão da Universidade excluir o candidato do concurso vestibular ou, ainda, cancelar sua matrícula por não considerá-lo como pertencente ao grupo racial negro, invalidando a sua autodeclaração’’, decretou a desembargadora-relatora. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 8 de outubro.

Mandado de Segurança
A estudante Bruna de Jesus Piaia prestou concurso vestibular em 2012 na Universidade Federal de Santa Catarina, visando o curso de Engenharia Civil. Classificou-se em 5º lugar dentre os cotistas pertencentes ao grupo racial negro, preenchendo todos os requisitos exigidos na Resolução Normativa 008/CUN/2007, de 10 de julho de 2007.

A Comissão de Validação de Auto Declaração da UFSC, no entanto, indeferiu a sua autodeclaração e, por consequência, a matrícula no curso. A alegação: não houve demonstração do fenótipo ou histórico de que a pretendente à cota tenha sofrido discriminação por pertencer ao grupo racial negro.

A estudante decidiu, então, ajuizar Mandado de Segurança contra o ato do reitor que barrou sua inscrição, a fim de que validasse a autodeclaração racial e promovesse a matrícula.

Alegou que a única exigência era pertencer ao grupo racial negro e não ter vivência anterior de situações que possam caracterizar racismo. Ademais, diz a inicial, a mesma comissão deferiu a autodeclaração de sua irmã por parte de pai (branco) e mãe (negra), que ingressou no curso de Odontologia pelo sistema de cotas.

Sentença
O juiz substituto da 2ª Vara Federal de Florianópolis, Hildo Nicolau Peron, extinguiu o Mandado de Segurança sem julgamento de mérito. Entendeu que se trata de instrumento inadequado ao fim proposto, já que a autora não trouxe aos autos prova pré-constituída dos fatos alegados que resguardasse direito líquido e certo.

Para Peron, ainda que seja fácil perceber a impropriedade da exigência de ‘‘histórico de discriminação’’, não há dúvida de que a validação da autodeclaração racial — baseada em critério de fenótipo — é pré-requisito para o deferimento da matrícula, mesmo após a aprovação nas provas do concurso vestibular. A exigência consta no artigo 8º, parágrafo 2º, da Resolução Normativa, que atribui à Comissão de Validação a incumbência de definir quem deve ser qualificado como negro para fins de se beneficiar do regime de cotas.

‘‘A ideia de ‘semelhança visual’ — baseada em simples fotografias digitalizadas — está sujeita àquele mesmo grau de subjetivismo que parece ter baseado a decisão da Comissão de Validação, ao concluir que a impetrante, analisada individualmente, parece não pertencer à raça negra. Por isso mesmo não é possível infirmar de pronto a decisão tomada na via administrativa, sob pena de simplesmente substituir uma decisão infundada por outra’’, justificou na sentença.

Assim, discorreu, é absolutamente indispensável ao julgamento do pedido formulado na petição inicial a ampla dilação probatória, com vistas à coleta de dados e à adoção de critérios medianamente seguros de aferição dos traços fenotípicos característicos da ‘‘raça negra’’.

‘‘A própria impetrante, aliás, afirma que a Comissão de Validação só poderia qualificá-la como não-negra se houvesse feito prova pericial, para esclarecer acerca da ancestralidade, o que denota que, de acordo com a sua tese, a conclusão contrária também dependeria de prova pericial’’, encerrou.

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