quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Crônica - Saudade de filho - Manoel Messias Pereira

Saudade de filho

Uma noite escura iluminada pelos vagalumes, cantada pelos grilos, iluminada pela lua,  uma noite de paz, e olhando para o céu, ouvia a minha mãe cantando uma canção de ninar. Desejando que nós seus filhos pudesse ir dormir. Geralmente íamos dormir cedo, e acordávamos cedo.

Minha mãe era uma mulher que limpava casa das senhoras da alta sociedade, das putas ricas ou seja das pessoas que tinham dinheiro, que pagava, pra ela, comprar algumas comidinhas para nós em casa. E quando a minha mãe estava em casa ela lavava e passava roupas e quando não ela pegava dos antigos armazéns e catava os cafés numa mesa e recebia uma mixaria de dinheiro. O que dava mesmo para ela comprar era aqueles ossos de bois, ou de vaca sei lá, mas que tinha o tutano, e fazia uma sopa com legumes, mandioca, batatas, caras, inhame coisa que plantávamos no quintal de casa ou quando não de fubá. E ela tinha uma frase que era assim, o que engorda burro é milho, comendo fubá ninguém fica desnutrido.

 Outra coisa que plantávamos era arroz, e depois eu e minha irmã, a Conceição socavam - o no pilão e peneirava pra tirar a palha. E quando socavamos juntos íamos cantando. Erámos muito pobres, mas deixávamos a beleza da canção o sorriso da existência permanecer em nossos corações infantis.

Meu pai tinha ido embora, ele era um bom aventureiro e gostava de outras mulheres, e assim fez outros filhos fora de casa. A vida pra ele era cachaça, festa e mulheres. Um dia minha mãe deixou a casa de meu pai. Um dia ele voltou de noite, e minha mãe tinha ido ao terreiro. Ele chegou fez uma sopa, brincou comigo e com as minhas irmãs e partiu novamente. Tinha um pouco de medo dele pois embora fizesse de amoroso conosco e já tinha visto ele ameaçar a minha mãe.

Mas quando minha mãe não estava no terreiro, ela estava conosco, olhando o céu estrelado, os grilos, os vagalumes e ela cantando uma canção de ninar. Ou quando não inventando uma historia para o nosso bom sonho. Quando tinha 5 anos no catecismo umbandista obviamente, deram me a tarefa de declamar pra ela. Confesso que não decorei nada. E só fiquei olhando para ela, com carinho dei um abraço e chorei.

O meu choro, foi para que ela pudesse entender, que nenhuma palavra era mais importante do que o sonho de paz e ternura que eu como criança trazia no coração. Que muitas vezes observava-a cansada, adoentada, mas com uma de minhas irmãs no colo e olhando ao céu. Ela que tinha um olhar grandes, e via no céu uma mensagem de que o dia de um amanhã, sempre seria melhor do que o que aquele que passávamos. Eu também olhava o azul, o infinito, com suas nuvens e não via nada.

E na noite mágica, iluminada, pela lua, brilhante pelas estrelas e os vagalumes, os grilos cantando, que via a sua voz de soprano, cantando a canção de ninar, ou as vezes a "Ave maria", numa felicidade infinita. E desejando que fossemos dormir. Dormíamos cedo e acordavam cedo. O acordar era sempre com o anuncio do galo. Com o despertar do sol. Que vinha e substituía a luz da lamparina a querosene. Depois do galo, os pássaros que voavam como as nossas imaginações, os nossos sonhos. O nosso café sempre era um pedaço de mandioca cozida, ou bolinho que ela preparava e uma caneca com café, bem passado. E ela saia cedo para o trabalho e nós ficávamos como ela dizia, com Deus. Um ser que nunca vi, mas nutri todo o sentimento de amor. Pois pra mim Deus deveria ter o rosto negro, os cabelos carapinha, os olhos grande como os dela, e com certeza era uma mulher, que as pessoas por preconceito chamava-o de senhor. Coisa da língua portuguesa com certeza. Pelo menos era o que eu acreditava.

O tempo passou, minha mãe depois de meu pai teve outros amores, teve outros filhos, ganhei outros irmãos, ela cuidou de todos nós. Pois assim como meu pai seus outros maridos também ganharam as estradas. E ela com os olhos grande e cheios d'lagrimas, ficaram cheios de tristezas. Como uma flor que fica ao relento em  meio a tempestade. Totalmente desolada. E a vida é sim de muitas lutas, de poucas alegrias, e com certeza muita saudade. E assim como não declamei e chorei olhando aquela negra-mãe, doce e linda,  ainda hoje deixo um fio de lágrima varrer a minha face. Mas é de saudade.


Manoel Messias Pereira

cronista
Membro da Academia de Letras do Brasil - ALB
São José do Rio Preto - SP. Brasil




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