segunda-feira, 18 de julho de 2016

Crônica - A nossa santa ignorância de cada dia - Manoel Messias Pereira



A nossa Santa Ignorância de cada dia.


Uma coisa que guardamos na memória e talvez  levamos pra eternidade, como parte mais feliz da vida é o período da de nossa infância. Não que realmente seja o mais feliz, mas porque não sabíamos ainda distinguir a verdade da existência, não sabíamos que a miséria humana, que a violência, o roubo, o assalto ao público praticado pelos governantes, pela elite, na sua santa estupidez, fosse algum comum a vida. E por isto a criança brincava na doçura da sua ignorância, acreditando que a cristalização de todos as banalizações do mal, fosse algo normal.

Na minha infância, tinha um pai, que abandonou mamães por outras paixões e partiu como um cão atrás de outras cadelas no cio, era um tempo em que na política existia, uma processo ditatorial, em que pessoas desapareciam politicamente em que vereadores de minha cidade, foram cassados. Era um tempo de plena fechadura política. Mas brincávamos na rua rindo, feito as hienas. Embora seja bom explicar que a hiena é um animal que não ri, e o barulho que ela emite tem uma outra função social diferente do riso dos primatas ou de outros animais. É na verdade um complexo sistema de comunicação delas.

Voltando a nossa santa ignorância infantil, nossas brincadeiras iam do rico-tricô, o salva pega, o mana-mula, mãe da rua, o romeu ou burro meu, as meninas geralmente gostavam de amarelinhas, outras preferiam brincar de bonecas mesmo sem ter bonecas, de casinhas, além de outros brinquedos como a combinação de exercícios chamados de bicicletas, pedaladas é interessante pois a menina deitava-se no chão e a coleguinha também  uma colocava a perna na outra e combinavam como se fosse pedaladas de bicicletas. Os meninos gostavam de soltar papagaios, arraias ou pipas como queiram chamar em cada região usava-se nomes diferentes, outros rodavam pião e jogava bolinha de gude, a famosa biroca. Assim passávamos nós crianças a divertir-nos, e desentender dos acontecimentos sombrios do período ditatorial que durou de 1964 a 1985, quando de um golpe político traçados por militares e civis brasileiros, que estavam afinados com as operações politicas dos Estados Unidos da América, permitiram o Brasil submetessem a humilhação da Operação Brother Sam, Operação Condor e Operação Bandeirante e muitas pessoas desapareceram outras foram presas políticas e morreram na tortura desgraça de cada dia, e muito até hoje diz amem.

E nessas brincadeiras, com nossos risos, nossos gritos, parecia que o mundo estava num cenário teatral e que no fundo surgia o som do piano de Egberto Gismonti, quando ele toca a música "os palhaços", parece que havia um clima de esperança. Essa música foi gravada eu digo num disco, chamado "Circense", quem quiser que fale outra coisa como álbum ou outra bobagem qualquer que a mídia inventa pra tirar a gente do  conhecimento que adquirimos cotidianamente, mas a música foi feita em homenagem aos seus avôs e avós. E é uma música que tens no fundo o riso de crianças, mas antes de um ficar comentando seria bom se o leitor tivesse a compostura de ouvir, que é muito bom.

Mas essa criança que brinca que sorri, ela também cresce, começa a tirar a sua identidade, começa a ficar fixada nos órgãos da burocracia, torna-se adolescente, começam a trocar olhares entre meninas e meninos, entre meninas e meninas, entre meninos e meninos. Aprende a fazer piadinhas, a ter malícias nas colocações verbais. A sorrir alto pra espantar os demônios e chamar a atenção dos adultos. É quando as meninas começam a desenvolver-se o corpo como mocinhas, a ter menstruação e sabe que toda a mulher tem isto todo o mês. E a ficar de mal humor, a brigar com os coleguinhas, como na música da Rita Lee, que gostava de chamar a Rita que não ri, quando ela cantava "Mulher é um bicho esquisito, todo mês sangra...por isto não provoque é cor de rosa choque.. não provoque". Essa brincadeira que falei também da Rita Lee é aquela que não ri, é que no meu tempo Caetano escreveu uma música ou pelo menos cantou dizendo que a Irene ri, "quero ver Irene ri, quero ver Irene ri, quero ver Irene dar sua risada", e que adorei quando o Tom Zé gravou senti uma Irene mais paulistana.

Essa criança que cresceu perdeu a leveza da sua existência, do riso fácil e doce da melodia de Egberto Gismonti e passou a ter na vida um olhar mais hundegrund, a encontrar nas esquinas as batidas policiais a identificar com o numero de seu RG, ou da carteira de trabalho e se era de uma família perseguida vixe Maria, como popularmente exclamamos, podia ser torturada e ser uma criança desaparecida, todos nós tivemos esse medo. Não é segredo pra ninguém que a minha casa foi por muito tempo vigiada e minha mão fichada no DOPS, simplesmente porque utilizava um barracão como terreiro de umbanda. Ou seja coisa da obscuridade da história que não será contada na sala de aula. Mas enfim esses adolescentes agora não mais crianças tiveram a dificuldade de voltar a convivência com aquele olhar da infância ou da pré- adolescência. E mesmo se algum resolvesse brincar a brincadeira tornava-se abrutalhada, grosseira. Os jovens não tem a leveza nem a doçura da criança, embora guarde sempre a lembrança do que foram infantis, o amargor da vida endurece o corpo e acabam ficando triste ou doente.

A tristeza é quando a vida já demonstra que precisamos correr, desesperado para não morrer de tédio, é quando acreditamos que as nossas veias já estão tomadas de gorduras graças a guloseimas que fomos submetidos com a propaganda das lanchonetes gordurentas da vida. A tristeza vem quando um tumor surge em nossos órgão como uma mutação genética. A tristeza aparece quando um ente querido morre ou desaparece, quando outro enlouquece, ou desenvolve uma psicopatia e precisa eternamente de tratamento. Outros até riem sozinhos.

O que não podemos perder é o compromisso de falar da risada, os primatas riem de forma ritmada, principalmente quando estão expostos as cócegas. O riso é uma resposta social ligada a circuito neuros presentes nos mamíferos. Nós humanos gostamos de fazer gozações de contar piadas, tirar sarros isto já é diferente de rir, dos chimpanzés, ou melhor eu percebo que o meu cachorro ri, dando uma baforada com força quase ofegante, o riso faz bem pra nossa vida.

É de criança que exercemos a felicidade, graças a nossa santa ignorância, já adulto, diante da neurastenia da existência aprendemos a chorar. E mais tarde dosar os momentos de dores, de satisfação a conformar ou não, a discutir a vida ou não. e cada um de nós seres humanos da mesma espécie somos cumplices desta vida seja ela boa ou ruim não importa e não interessa somos cumplices de todas as desgraças e mazelas das sociedade, seja ela políticas, sociais, e não denunciamos e quando denunciamos somos barrados, pela legislação, pela autoridade mesmo que estejam todas elas erradas é assim o baile da vida e pronto. E por isto essa crônica é como um vomito que engolimos na nossa santa ignorância de cada dia. Amém.

Manoel Messias Pereira

poeta e cronista
membro da Academia de letras do Brasil - ALB
São José do Rio Preto -SP.





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